DEPOIMENTOS DE UM TRABALHADOR DO PORTO DO ITAQUI: a voz dos ameaçados pela COVID-19 e silenciados nos boletins epidemiológicos do governo do Maranhão.
Em nossa segunda matéria entrevistamos um trabalhador do Porto do Itaqui que vamos chamá-lo pelo pseudônimo de João Cândido para preservar sua identidade e o seu emprego.
Opinamos que não é possível falar seriamente de isolamento social ou mesmo de lockdown no Maranhão sem falar da situação do Porto do Itaqui, que é um dos mais importantes do mundo em movimentação de cargas. Segue a entrevista.
PSTU: Fale uma pouco da situação dos trabalhadores do Porto do Itaqui.
João Cândido: Para os chamados trabalhadores portuários “avulsos” os turnos são divididos em quatro períodos de 06 horas. Já nas empresas privadas se trabalha 08 ou 12 horas. Esses são chamados operadores portuários, responsáveis por carregar e descarregar os navios e as condições de trabalho são mínimas. Caso tenham trabalhadores na beira do cais realizando uma operação e caia uma chuva, ninguém tem onde se abrigar. Às vezes ficam embaixo de um guinchão, mesmo operando, mas ficam lá para se proteger da chuva.
A EMAP (Empresa Maranhense de Administração Portuária) não toma nenhuma providência para melhorar as condições de trabalho dentro do Porto. Tem muita falácia, mas ações, nenhuma.
Quase todos os trabalhadores aqui dentro, portuários avulsos e trabalhadores das empresas privadas já relataram que sentiram os sintomas da COVID-19 como falta de olfato, de paladar, sentiram febre, dores no corpo e indisposição. São números relatos desse tipo de acontecimentos e a EMAP praticamente fecha os olhos para isso aí. Eles não poderiam diminuir o número de operações para pelo menos proteger o trabalhador? Diminuir a quantidade de trabalhadores escalados para trabalhar? Mas, não! Quanto mais navio tiver aí atracados, para eles é melhor. Tão mais preocupados em arrecadar e pouco preocupado em proteger o trabalhador. Em uma operação de um navio em um dia gira para mais de 60 pessoas para o trabalho.
PSTU: PSTU: Mas, não foram tomadas nenhum tipo de medidas?
João Cândido: Sim, afastaram os trabalhadores com mais de 60 anos e aqueles que não são aposentados receberão uma média salarial de acordo com os seus vencimentos anteriores. Porém, a proteção de todos os trabalhadores dentro do porto do Itaqui só aconteceria com a manutenção daquilo que é essencial para combater o novo coronavírus e as empresas remunerando o trabalhador durante a paralisação. Mas não, desde o início da pandemia até o lockdown as operações no Porto do Itaqui continuaram as mesmas, mesmo das não-essenciais. Descarregamento de fertilizante, carregamento de soja, descarregamento de trilhos, dormentes e peças. Isso é essencial? Não pode parar por 15 dias? Ou então, uma paralisação geral dentro do Porto, mesmo diante de tantos relatos de pessoas que sentiram sintomas da COVID-19?
O trabalhador tá aqui jogado e a EMAP não fez nenhuma entrevista ou um mapeamento de quantos trabalhadores sentiram sintomas. Se foram afastados, se houve óbitos ou não. Nós estamos trabalhando com a força máxima mesmo durante o lockdown.
A EMAP e os operadores permitiram foi o atracamento de muito mais navios durante essa pandemia e o lockdown. Não houve nenhuma redução no quantitativo de mão de obra e nem diminuição em carga e descarga. Quanto mais navios atracados mais mão de obra vai ser utilizada. A mão de obra terceirizada, a mão de obra de operadores portuários, de estivadores, de arrumadores e de outras categorias como conferentes, vigia portuários, de tudo que engloba o Porto do Itaqui.
PSTU: Como vocês ficam sabendo de casos da COVID-19? Há publicações de boletins epidemiológicos?
João Cândido: Nós não temos dados, apenas relatos de colegas de trabalho que diz “cara eu fiquei afastado tanto dias porque eu sentir todos os sintomas da COVID-19”. Teve um trabalhador, um estivador, que veio a óbito pela COVID-19, então a gente não sabe se ele foi contaminado aqui dentro ou se ele foi contaminado fora. Nada é passado para gente na verdade, nós não somos nem perguntados se estamos bem ou mal, se sentimos algo ou não!
O que sempre é disponibilizado é o álcool em gel ou álcool 70. O EPI (Equipamento de Proteção Individual) também é disponibilizado. Mas, as máscaras que temos aqui é totalmente inapropriada, porque dizem que as máscaras que são apropriadas estão muito caras e aí a gente está com umas mascarazinhas feitas com TNT que é material bem fácil de ser contaminado.
PSTU: Como os trabalhadores estão reagindo a essa situação?
João Cândido: Acontece o seguinte: muitos trabalhadores têm medo de trabalhar, mas o medo de perder o emprego é maior. O presidente Bolsonaro baixou uma Medida Provisória (MP 945) que obriga o trabalhador portuário avulso a trabalhar de qualquer jeito. E aquele trabalhador das empresas privadas que disserem “ô meu patrão eu tô com medo de trabalhar”, o patrão vai e coloca outro porquê o trabalho intermitente já está sendo utilizada aqui dentro do Porto. O trabalhador portuário avulso virou refém de uma MP baixada pelo genocida do presidente Bolsonaro. Então, a categoria fica ali dividida com essa MP que o patrão tem nas mãos. Se eu não for trabalhar ele coloca alguém no meu lugar. E tudo que o empresário quer é mais poder, mais lucro. Então, o patrão diz “se tu não vier trabalhar eu te demito”, então, todos os trabalhadores dentro do Porto do Itaqui estão reféns tanto do governo federal, o estadual, quanto da classe empresarial.
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