Por Rosenverck Estrela SantosProfessor da UFMA
Militante do Movimento Negro Quilombo Raça e Classe
Durante a Colônia e o Império no Brasil, a reprodução da força de trabalho e a inculcação da ideologia dominante – ao contrário do que ocorreu na Europa onde a educação e a cultura tiveram papéis fundamentais – eram exercidos pela violência da Escravidão. O projeto de país era claro e objetivo: a população negra e, portanto, a juventude negra era alvo da violência explicita da elite escravocrata e do Estado. O extermínio físico e mental fazia parte da estrutura organizativa da sociedade. Não havia dissimulação, porém, a legitimavam de inúmeras formas. Uma das formas de legitimar a exploração e opressão sobre a população negra estava na ideologia religiosa da Igreja Católica.
Sabe-se que muitas ideias e justificativas foram utilizadas para escravizar os/as africanos/as. Uma tem importância fundamental: a justificativa religiosa. Setores da Igreja Católica buscando legitimar a escravização africana afirmaram baseados na Bíblia (Gênesis 9, 21-27) que os/as africanos/as eram herdeiros de Cam, filho de Noé, amaldiçoado por seu pai e predestinado a ter uma vida de servo, bem como seus descendentes. Num malabarismo histórico, os/as africanos/as foram tornados descendentes de Cam e, portanto, passíveis do amaldiçoamento bíblico.
Nesse sentido, a escravização e o extermínio seriam o preço a pagar pela redenção do pecado cometido por Cam. Era a sina da população negra africana e seus descendentes visando a regeneração e purificação dos pecados, dizia o repertório ideológica da classe dominante branca, masculina, judaico-cristã, latifundiária e escravocrata.
Mas sempre houveram resistências! E, na passagem do Império para a República e da Escravidão para o Capitalismo dependente outras formas de controle e extermínio para subsidiar a exploração e opressão da população pobre e negra brasileira deveriam ser colocadas em prática.
A nascente burguesia brasileira saindo do seio da elite latifundiária-escravocrata redefine o ideário escravista visando a manutenção do seu poder e marginalização da pessoa negra.
Nesse sentido, a República Capitalista do Brasil para garantir a ordem e o progresso, estampados em sua bandeira para manter o status quo, deveria ser um país à semelhança europeia. Necessitava-se conquistar o padrão civilizacional e isso só seria possível se nos assemelhássemos e tivéssemos como referência o continente europeu. Logo de pronto, um problema se instalou: - como ser um país civilizado – à semelhança europeia – se a maior parte da população brasileira era composta por negros/as e seus descendentes? A pintura abaixo no dá uma ideia de qual era o projeto da elite brasileira para a população negra.
Em 1895, alguns anos após a abolição institucional da escravidão, a Escola Nacional de Belas Artes premiava com a medalha de ouro o espanhol radicado no Brasil, Modesto Brocos pela pintura intitulada a “A redenção de Cam”.
Militante do Movimento Negro Quilombo Raça e Classe
Durante a Colônia e o Império no Brasil, a reprodução da força de trabalho e a inculcação da ideologia dominante – ao contrário do que ocorreu na Europa onde a educação e a cultura tiveram papéis fundamentais – eram exercidos pela violência da Escravidão. O projeto de país era claro e objetivo: a população negra e, portanto, a juventude negra era alvo da violência explicita da elite escravocrata e do Estado. O extermínio físico e mental fazia parte da estrutura organizativa da sociedade. Não havia dissimulação, porém, a legitimavam de inúmeras formas. Uma das formas de legitimar a exploração e opressão sobre a população negra estava na ideologia religiosa da Igreja Católica.
Sabe-se que muitas ideias e justificativas foram utilizadas para escravizar os/as africanos/as. Uma tem importância fundamental: a justificativa religiosa. Setores da Igreja Católica buscando legitimar a escravização africana afirmaram baseados na Bíblia (Gênesis 9, 21-27) que os/as africanos/as eram herdeiros de Cam, filho de Noé, amaldiçoado por seu pai e predestinado a ter uma vida de servo, bem como seus descendentes. Num malabarismo histórico, os/as africanos/as foram tornados descendentes de Cam e, portanto, passíveis do amaldiçoamento bíblico.
Nesse sentido, a escravização e o extermínio seriam o preço a pagar pela redenção do pecado cometido por Cam. Era a sina da população negra africana e seus descendentes visando a regeneração e purificação dos pecados, dizia o repertório ideológica da classe dominante branca, masculina, judaico-cristã, latifundiária e escravocrata.
Mas sempre houveram resistências! E, na passagem do Império para a República e da Escravidão para o Capitalismo dependente outras formas de controle e extermínio para subsidiar a exploração e opressão da população pobre e negra brasileira deveriam ser colocadas em prática.
A nascente burguesia brasileira saindo do seio da elite latifundiária-escravocrata redefine o ideário escravista visando a manutenção do seu poder e marginalização da pessoa negra.
Nesse sentido, a República Capitalista do Brasil para garantir a ordem e o progresso, estampados em sua bandeira para manter o status quo, deveria ser um país à semelhança europeia. Necessitava-se conquistar o padrão civilizacional e isso só seria possível se nos assemelhássemos e tivéssemos como referência o continente europeu. Logo de pronto, um problema se instalou: - como ser um país civilizado – à semelhança europeia – se a maior parte da população brasileira era composta por negros/as e seus descendentes? A pintura abaixo no dá uma ideia de qual era o projeto da elite brasileira para a população negra.
Em 1895, alguns anos após a abolição institucional da escravidão, a Escola Nacional de Belas Artes premiava com a medalha de ouro o espanhol radicado no Brasil, Modesto Brocos pela pintura intitulada a “A redenção de Cam”.
O quadro é emblemático, pois logo após a proclamação da República a elite brasileira oriunda dos grandes escravocratas buscava pensar o país sob as bases republicanas. A ideologia dos ex-escravocratas brasileiros afirmava que era preciso garantir a ordem para atingir o progresso. Ou seja, o país precisaria entrar no rol dos países civilizados!
A pintura do espanhol procura responder a esta inquietação. Na cena reproduzida vê-se uma senhora negra com as mãos para o céu agradecendo o fato de seu neto ter nascido branco, visto ser fruto da relação de um homem branco com uma mulher mestiça. O que isso representa?
Aponta para a necessidade de embranquecer o país para atingir a civilização tão sonhada pelos escravocratas. Precisava-se regenerar a nação brasileira composta por pessoas de cor – por meio de seu embranquecimento. A imigração europeia foi uma resposta concreta a esta ideologia. Mas, mesmo se o projeto de embranquecimento não tivesse êxito no plano biológico, no plano cultural e educacional deveria ter sucesso e, portanto, todo o sistema educacional e cultural, bem como a legislação foram edificadas visando marginalizar a população negra e construir um projeto de país parecido com a Europa.
Em outro sentido, paralelo e complementar, era preciso desarticular a resistência negra e isso seria feito pelo mito da democracia racial que junto com a meritocracia individualista do capitalismo imputava a ascensão social à capacidade intelectual e moral, desvinculando-a de qualquer determinação de classe ou de raça.
No sistema educacional, por exemplo, se observa claramente que do Ensino Fundamental à Universidade ocorre a marginalização da juventude negra e o sucesso do embranquecimento educacional. Sem saúde, educação, esporte, cultura, direitos socais e emprego (lembrando que de escravizada, essa população negra foi transformada numa franja marginal, visando eliminá-la como força potencial de transformação e, também, para tencionar a superexploração do trabalhador branco) a juventude negra é empurrada para a marginalidade e com isso se torna alvo fácil de políticas de extermínio.
O início da República, por exemplo, foi marcado por ações que pretendiam afastar a população negra das cidades e torná-las parecidas com a Europa. Essa é uma das razões, por exemplo, da Revolta da Vacina e da expulsão da população negra e pobre para os morros do Rio de Janeiro.
A redenção de Cam é um retrato da ideologia escravocrata remanescente do Império e que marcava essencialmente a constituição da República e os seus órgãos e instituições. Representava também todo um projeto da elite para a população negra deste país.
Lembramos João Cândido que no último dia 22 de novembro fez 100 anos quando liderou uma revolta de marinheiros negros e pobres. Revolta que representou uma reação à ideologia racista e às desigualdades sociais presentes no Brasil Republicano e materializadas na expulsão dos trabalhadores/as pobres e negros/as para as favelas e na clivagem sócio-racial da marinha com seus oficiais brancos e descendentes dos oligarcas latifundiários e escravocratas e os marujos em sua maioria negros recrutados à força.
Ironicamente ou tragicamente (?) a mesma marinha que chama João Cândido de bandido e matou dezenas de marinheiros negros após terem feito acordo com os mesmos, contribui decisivamente na invasão de comunidades pobres e extermínio da juventude negra no Rio de Janeiro.
A equação é simples. Retira-se tudo: educação, saúde, esporte, direitos sociais, trabalho, lazer... empurra para a marginalidade....retira-lhes a identidade, o nome, a história, as referências, a dignidade e os renomeia: - bandidos. Depois disso: se mata, se extermina... se acaba com o perigo negro da juventude brasileira. Uma política que tem história e que se renova; que tem múltiplas causas e justificativas; que tem diferentes contextos e territórios. Mas o resultado final é sempre o mesmo: o extermínio da juventude negra.
Juventude que não nasceu bandida, que quando criança – como qualquer criança – pensava em “ser alguém na vida”. Vida que deveria ser vivida e não ceifada aos 14, 15, 16, 17 anos... essas são as vidas da lente da Globo, das armas de longo alcance do grupo de assassinos institucionais – BOPE – e do projeto de país da elite escravocrata transformada em burguesia. É a maldição de Cam blindada!
A ordem e o progresso que a elite quer atingir por meio da eliminação cultural e física da população negra ainda continua e não tem prazo pra terminar.
Mas se esse pensamento funciona para a classe dominante legitimar seus atos, não serve para a população negra e sua juventude. Pelo contrário, desde os primeiros dias da escravidão e da montagem do capitalismo dependente que a resistência se faz sentir de inúmeras formas e de variadas ações: fugas, quilombos, quebra de maquinaria, queima da produção, “assassinato” dos senhores e revoltas, muitas revoltas...
Revoltas que nós – movimentos sociais, movimento negro, partidos políticos de esquerda, sindicatos – precisamos recuperar urgentemente para fazer valer a história de nosso povo e evitar o extermínio contínuo de nossa juventude...Como disse Oscar Wilde: “A desobediência é, aos olhos de qualquer estudioso de história, a virtude original do ser humano. É através da desobediência que se faz o progresso, através da desobediência e da rebelião”.
A pintura do espanhol procura responder a esta inquietação. Na cena reproduzida vê-se uma senhora negra com as mãos para o céu agradecendo o fato de seu neto ter nascido branco, visto ser fruto da relação de um homem branco com uma mulher mestiça. O que isso representa?
Aponta para a necessidade de embranquecer o país para atingir a civilização tão sonhada pelos escravocratas. Precisava-se regenerar a nação brasileira composta por pessoas de cor – por meio de seu embranquecimento. A imigração europeia foi uma resposta concreta a esta ideologia. Mas, mesmo se o projeto de embranquecimento não tivesse êxito no plano biológico, no plano cultural e educacional deveria ter sucesso e, portanto, todo o sistema educacional e cultural, bem como a legislação foram edificadas visando marginalizar a população negra e construir um projeto de país parecido com a Europa.
Em outro sentido, paralelo e complementar, era preciso desarticular a resistência negra e isso seria feito pelo mito da democracia racial que junto com a meritocracia individualista do capitalismo imputava a ascensão social à capacidade intelectual e moral, desvinculando-a de qualquer determinação de classe ou de raça.
No sistema educacional, por exemplo, se observa claramente que do Ensino Fundamental à Universidade ocorre a marginalização da juventude negra e o sucesso do embranquecimento educacional. Sem saúde, educação, esporte, cultura, direitos socais e emprego (lembrando que de escravizada, essa população negra foi transformada numa franja marginal, visando eliminá-la como força potencial de transformação e, também, para tencionar a superexploração do trabalhador branco) a juventude negra é empurrada para a marginalidade e com isso se torna alvo fácil de políticas de extermínio.
O início da República, por exemplo, foi marcado por ações que pretendiam afastar a população negra das cidades e torná-las parecidas com a Europa. Essa é uma das razões, por exemplo, da Revolta da Vacina e da expulsão da população negra e pobre para os morros do Rio de Janeiro.
A redenção de Cam é um retrato da ideologia escravocrata remanescente do Império e que marcava essencialmente a constituição da República e os seus órgãos e instituições. Representava também todo um projeto da elite para a população negra deste país.
Lembramos João Cândido que no último dia 22 de novembro fez 100 anos quando liderou uma revolta de marinheiros negros e pobres. Revolta que representou uma reação à ideologia racista e às desigualdades sociais presentes no Brasil Republicano e materializadas na expulsão dos trabalhadores/as pobres e negros/as para as favelas e na clivagem sócio-racial da marinha com seus oficiais brancos e descendentes dos oligarcas latifundiários e escravocratas e os marujos em sua maioria negros recrutados à força.
Ironicamente ou tragicamente (?) a mesma marinha que chama João Cândido de bandido e matou dezenas de marinheiros negros após terem feito acordo com os mesmos, contribui decisivamente na invasão de comunidades pobres e extermínio da juventude negra no Rio de Janeiro.
A equação é simples. Retira-se tudo: educação, saúde, esporte, direitos sociais, trabalho, lazer... empurra para a marginalidade....retira-lhes a identidade, o nome, a história, as referências, a dignidade e os renomeia: - bandidos. Depois disso: se mata, se extermina... se acaba com o perigo negro da juventude brasileira. Uma política que tem história e que se renova; que tem múltiplas causas e justificativas; que tem diferentes contextos e territórios. Mas o resultado final é sempre o mesmo: o extermínio da juventude negra.
Juventude que não nasceu bandida, que quando criança – como qualquer criança – pensava em “ser alguém na vida”. Vida que deveria ser vivida e não ceifada aos 14, 15, 16, 17 anos... essas são as vidas da lente da Globo, das armas de longo alcance do grupo de assassinos institucionais – BOPE – e do projeto de país da elite escravocrata transformada em burguesia. É a maldição de Cam blindada!
A ordem e o progresso que a elite quer atingir por meio da eliminação cultural e física da população negra ainda continua e não tem prazo pra terminar.
Mas se esse pensamento funciona para a classe dominante legitimar seus atos, não serve para a população negra e sua juventude. Pelo contrário, desde os primeiros dias da escravidão e da montagem do capitalismo dependente que a resistência se faz sentir de inúmeras formas e de variadas ações: fugas, quilombos, quebra de maquinaria, queima da produção, “assassinato” dos senhores e revoltas, muitas revoltas...
Revoltas que nós – movimentos sociais, movimento negro, partidos políticos de esquerda, sindicatos – precisamos recuperar urgentemente para fazer valer a história de nosso povo e evitar o extermínio contínuo de nossa juventude...Como disse Oscar Wilde: “A desobediência é, aos olhos de qualquer estudioso de história, a virtude original do ser humano. É através da desobediência que se faz o progresso, através da desobediência e da rebelião”.
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