Hertz Dias - Militante da Secretaria Nacional de Negros e Negras do PSTU e do Quilombo Urbano
As consequências são ainda imensuráveis.
O sudeste do país em convulsão social, os trabalhadores e a juventude aos
milhares dão as mãos nas ruas. O aumento das passagens de ônibus foi apenas o
estopim que fez explodir o tampão que comprimia as lutas socais em nosso país
há mais ou menos duas décadas.
Não
tenho os dados, mas arriscaria dizer que esse processo em seu final terá como
resultado não somente a redução do preço das passagens de ônibus, mas a
diminuição dos conflitos intraperiféricos, o arrefecimento da guerra interna
entre a juventude das periferias dos grandes centros urbanos. Toda a energia
outrora descarregada em uma guerra autofágica ganha vazão nas ruas, na multidão
pacifica, mas enfurecida contra o Estado-classe e isso pode se espalhar por
todo o país.
A
burguesia ver sua força espiritual questionada em multidões. Um dos seus
principais materiais ideológicos, sua mídia comercial, está tendo sua
autoridade moral abalada. E agora como defender a repressão se os seus
jornalistas também estão na mira do “fogo amigo” do braço de ferro que tanto
defendem? Jornalistas reacionários como Luiz Datena e Arnaldo Jabor esgotaram
seus repertórios criminalizadores. O último teve que fazer autocrítica pública
por ter afirmado que os atos de São Paulo eram coisas de jovens de classe média
da USP.
A
juventude periferia sai do noticiário policial para entrar no noticiário
político, ainda que enfrentando a mesma polícia que os reprimem cotidianamente,
já que os direitos humanos não entram nessas localidades. Aliás, onde o PT diz
que existe uma classe média emergente, há na verdade o aprofundamento da
barbárie capitalista e nela a juventude negra é esvaziada da condição de ser
humano. Em Alagoas a possibilidade de um jovem negro ser assassinado é mil
vezes maior do que um jovem branco. A função do mito da democracia racial é
invisibilizar esse etnocídio. Mas, tal como no Brasil colonial, a
humanidade desses jovens é resgatada na rebelião contra o sistema que os
colocou nessa situação limite. De bandidos de alta periculosidade viraram
baderneiros. Já é algum avanço.
A
classe média que não pega ônibus se solidariza com a luta. Trabalhadores
formais e informais se veem simplesmente como trabalhadores. O universo letrado
e o plebeu das grandes metrópoles estabelecem entre si uma relação de
confiança. É dessa solidariedade que a periferia precisa, aquela forjada na
luta e não no assistencialismo do Terceiro Setor que educa o povo a não lutar.
Nessas lutas, a periferia pode aprender que transformar o lixo da burguesia em
luxo é ilusório, socializar o luxo é mais que necessário.
O
inimigo de classe está ficando mais visível, já não precisamos de lupa para
enxergá-los. Não tenho dúvidas que novas lideranças, novas canções e novas
consciências serão forjadas nessas lutas. Sinto que uma nova situação política
pode nascer na periferia, desde que haja intervenção qualificada para isso. As
condições estão dadas para que a periferia possa definitivamente encontrar o
seu lugar, o da luta política pela superação do capitalismo.
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