A esquerda que não teme dizer seu nome:
sobre eleições e processo político
(ou por que votar nas candidaturas do PSTU) *
Dedico este pequeno ensaio ao meu camarada, Hertz Dias, que entre coisas simples e inomináveis, resgatou-me do tédio e ensinou-me quão árido é ser socialista em tempos que não se bebe mais vodka...
"Melhor morrer de vodka que de tédio."
Vladimir Maiakóvski
"O que significa exatamente “fracassar”, quando se trata de uma sequência da História em que essa ou aquela forma da hipótese comunista é experimentada? O que quer dizer exatamente a afirmação de que todas as experiências socialistas sob o signo dessa hipótese “fracassaram”? Esse fracasso é radical, isto é, exige o abandono da própria hipótese, a renúncia de todo o problema da emancipação? Ou é apenas relativo à forma, ou à via, que ele explorou e em que ficou estabelecido, por esse fracasso, que ela não era a forma certa para resolver o problema inicial."
Alain Badiou
De alguma maneira, as determinações da dominação burguesa e capitalista em sua globalidade, que explicam cada vez mais a elevação da polarização dos conflitos de classe, aprofundaram a desigualdade substantiva entre os membros das classes fundamentais no capitalismo mafioso do nosso tempo histórico. E se nos encontramos mais ao extremo do pêndulo dos conflitos reais, a tarefa da crítica exige a retomada da radicalidade como algo inegociável, pois ser radical hoje significa não somente ser esquerdista. Podemos ter uma simbiose de posições ontologicamente hostis e diversas entre si mesmas, mas camaradas num amplo e vago dispositivo de reconhecimento esquerdista.
Parece-me que ser de esquerda não é apenas uma necessidade política indiscutível no nosso tempo histórico, mas devemos levar muito a sério a necessidade de uma imposição inegociável dos temas da esquerda política de esquerda, isto é, a esquerda política não pode temer em sustentar suas posições diretamente associadas aos princípios socialistas mais importantes.
Assim, a esquerda socialista é principista, não negocia seu programa político de transição, não submete-se à forma-objeto espetacular de uma economia das trocas do “vale tudo” eleitoral, não esquece-se que seu programa é socialista e deve defender o igualitarismo substantivo - muito embora “menos” prioritário do que o próprio movimento real dos proletários -, não engole a presente política de amnésia pós-política em curso, uma política de indeterminação absurda!, cujo objetivo é apagar do imaginário da emancipação a própria ideia de emancipação coletiva, bem como a ideia que a emancipação coletiva deve ser socialista-comunista.
Para a esquerda socialista, pois, a participação nas eleições devem contemplar a ampla denúncia do sistema como um todo, indicando concretamente a sua incapacidade de realizar a segurança material da maioria, que a ideia da política não pode ser submetida aos processos de mercantilização eleitorais, e a negação radical da promessa que diz que as realizações infinitas no interior do capitalismo sejam possíveis. Todavia, as propostas mais concretas possíveis são aquelas que trazem em seu interior a universalidade igualitária como fundamento de sua proposição político-estratégica efetiva, a saber, a esquerda socialista deve apresentar um programa de reivindicações transitórias que aponte efetivamente para a defesa do orçamento governamental que atenda aos sistemas públicos dos direitos sociais mais elementares, como educação, saúde, moradia, transporte coletivo, saneamento básico e cultura. Para não cair no sistema produtivo da despolitização, a esquerda socialista devem combinar a denúncia dos políticos profissionais e dos corruptos dos partidos burgueses e colaboracionistas, com a indicação de um programa de reivindicações transitórias que somente um governo proletário pode inicialmente esboçar sua efetivação.
Se é a defesa do igualitarismo que deve nortear o programa de reivindicações transitórias de um partido proletário, então não faz sentido algum que partidos de esquerda adotem como o elemento mais importante em seu programa público uma crítica abstrata ao modus operandi do sistema pós-colonial burocrático-patrimonial organizado pela máfia Sarney. O que está crítica esconde, pois não pode mostrar-se inteiramente, na verdade, é seu interesse em apresentar-se como uma alternativa ao domínio hegemônico do poder governamental, que aqui no Maranhão encontra abrigo na família Sarney. Não somente escondem o caráter incontrolável do poder do capital, bem como a ingovernabilidade do poder governamental alienado-representativo existente. E como síntese, apresentam-se como solucionadores de problemas substantivos que a ontologia do capital, pela sua própria natureza, nada pode resolver de maneira universalista. Por exemplo, nenhum partido burguês ou colaboracionista podem defender radicalmente o igualitarismo, pois são partidos que sobrevivem da perpetuação da desigualdade substantiva entre as classes sociais. O máximo que podem defender é a equidade do ponto de vista de um capitalismo socialmente justo, mesmo que desigualmente indiferente. Logo, as leis da lógica não podem absorver a inadaptabilidade de um sistema que produz objetivamente excluídos como incluídos e ainda se vale de seu complexo sistema de interiorização para reproduzir a ideia que a desigualdade não é um atributo próprio do capitalismo mafioso, mas resulta apenas da incapacidade que cada indivíduo apresenta no uso de suas oportunidades num sistema de equidade desigualitário. Uma questão de carecimento de capacidades? Nada mais falso. A única possibilidade possível de equidade, sem meio termo, encontra-se na equidade socialista.
No caso de uma posição absenteísta, tão defendida pela esquerda da esquerda, parece-me uma posição infantilizada em termos político-estratégicos, posto que não usar o sistema eleitoral como um espaço importante para a negação do sistema como um todo e a afirmação da política socialista como estrategicamente necessária para emancipação universal dos humanamente diferentes representaria, entre outros termos mais agudos, deixar a maioria submetida às encenações da farsa e da tragédia em revezamento do “curral” eleitoral das democracias liberais mafiosas. O que não quer dizer que um partido proletário não deva disputar desigualmente a consciência eleitoral para o “voto útil” nele, ou mesmo em tentar absorver proletários nas suas fileiras militantes. Quando os partidos proletários são acusados pela esquerda da esquerda de quererem o voto dos “cidadãos” e que seu interesse é apenas eleitoral tal qual os partidos burgueses, submetem-se à lógica minúscula do pensamento liberal, absolutamente anti-dialético, posto que um voto num partido proletário expressa sim uma reação minoritária, micropolítica, que as coisas não estão confortáveis no sistema de dominação e controle ideológico. É importante votar e eleger um representante da nossa classe ao parlamento corrupto-burguês? Certamente que sim. Não preciso lembrar que boa parte das conquistas da classe dos proletários deram-se pela combinação de pressão popular-proletária nas ruas e a tensão minoritária exercida pelos representantes da nossa classes nos parlatórios parlamentares-corruptos. Por isso que, ao largo do processo evolutivo das democracias liberais, os partidos dos proletários têm sustentado a acertada ideia do “voto útil”, como palavra de ordem de agitação, demonstrativa de toda inutilidade do voto em partidos burgueses ou colaboracionistas.
Certamente, a esquerda socialista não pode submeter-se aos limites absolutos da política eleitoral como um espaço político separado-alienado da ingovernabilidade do poder governamental tipicamente burguês, e sim como um espaço de guerrilha instituída em que podemos publicamente fazer a denúncia aberta do sistema mafioso e corrupto do capitalismo, sem concessões, sem recuos, sem vacilações, e ao mesmo tempo, proceder os processos afirmativos de defesa dos direitos sociais universais dos proletários de todos os ramos e estratificações. Temos que ter muita sobriedade da necessidade de defesa legítima dos grupos e das frações da classes contra o Estado ilegal, estado de sítio que reproduz a privataria de todos os direitos sociais e eterniza o sistema de equidade desigualitário atualmente reinante.
Aqui, sem vacilações ou escrúpulos infantilizados, apoio e voto nas candidaturas do PSTU, como uma organização dos proletários que pode ocupar o espaço institucional separado-alienado para fazer do mesmo um palanque ou uma trincheira para a denúncia de tudo o que existe e, ao mesmo tempo, da afirmação de princípios inegociáveis em defesa do igualitarismo radical. Cabe aos proletários a defesa das nossas candidaturas classistas, sem pudores, com ódio de classe, ao mesmo passo que construam a cada dia, a cada passo, a cada greve, a cada ocupação, a cada resistência, o direito à vida inteira, sem separações, em defesa da vida comum, uma outra forma de afirmar uma sociedade sem classes, sem grades, uma sociedade comunista.
* Saulo Pinto, economista e professor do IFMA, Campus Maracanã.
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